Para a
palavra tino, encontrei diversos significados. Gosto das palavras, elas revelam
e escondem muitos caminhos. Consegui saber que é a faculdade de avaliar os
seres, os fenômenos, as coisas; instinto, juízo natural, discernimento. No
sentido figurado é a virtude que faz
prever e procura evitar as inconveniências e os perigos; prudência, precaução.
Pode ser também faculdade de perceber, discernir ou pressentir coisas,
independente do raciocínio ou da análise; intuição, sentido, tato; ou facilidade
de compreensão, agudeza de espírito; perspicácia, sagacidade, penetração,
inteligência. Um que me impressionou foi o fato de também poder ser consciência
ou domínio de si ou de algo; conhecimento.
Mas foi apenas a
curiosidade que me moveu a buscar tantas interpretações para um só vocábulo. O
fato é que essa história vai falar de um homem, e não de uma palavra. Muito
embora, seja difícil dizer se o homem inventou a palavra ou é inventado por
ela.
Laurentino de
Almeida – mais conhecido por Tino - é um homem de estatura baixa, forte igual a
um tronco de árvore. Sempre que o encontro, ele está com calça jeans surrada pela lida. Isso, porque
trabalha em multifunções, prestador de serviço que é em elétrica, hidráulica e
construção. Dessa forma, os rasgos nos joelhos e o desbotado são constantes e
somados a poeira dos locais em que executa as tarefas. É prestativo, basta
telefonar que ele chega ao local rapidamente. Gosta de conversar e de contar
causos. Toda vez que alguém oferece café ou algo para comer, ele aceita e
agradece com as mãos unidas, em forma de oração e diz um simpático e comovente
“Deus te abençoe.”
Essas práticas são
muito comuns, no interior do Brasil. Apesar da pobreza financeira, as pessoas,
educadas para trabalhos rurais recebem orientação familiar e religiosa muito
forte. Esses dois elementos contribuem para manter um dos estados mais ricos do
país, o Paraná, de onde veio nosso personagem, em busca de oportunidades para
ele e para a família.
Em um momento de
franca dificuldade, Tino rumou para São Paulo, em busca de emprego e por ouvir
comentário de amigos sobre as oportunidades que se encontram nesse estado sempre
em movimento. Nas avenidas principais, estações de trem e de ônibus, milhares
de pessoas desembarcam para conquistarem o sonho supremo de uma vida melhor.
Isso nem sempre significa encontrar riqueza; mas ter uma casa, um fogão, um
sofá, uma cama adequada e, claro, poder comprar bens supérfluos como roupas,
perfumes, entre outros.
Antes mesmo de
chegar à grande cidade, ele parou em um condomínio de luxo para finais de
semana. Nesse lugar, belas casas são construídas por empresários, profissionais
liberais, artistas. É um espaço menos arriscado do que o centro de São Paulo.
Decidiu ficar por ali mesmo. Afinal, o ambiente lembrava mais a essência deles,
voltados para a natureza. Aquela, em especial, muito bem tratada, constituía um
colírio para os olhos.
Conseguiu
emprego para ser caseiro de uma das propriedades. Com casa, luz e água de
graça, poderia efetuar alguns trabalhos fora da propriedade e ganhar dinheiro
extra. O patrão frequentava a chácara apenas aos finais de semana. Isso dava a
ele e à esposa a oportunidade de se esforçarem, para, quem sabe, comprar a casa
própria.
Tino é casado
com a Márcia, mulher bonita, apesar de se perceber nela traços de uma vida
desafiadora e rude. Muitas vezes, a mulher foi servente de pedreiro para ele.
Juntos, carregavam pedra, areia, cimento. Pai de dois filhos já moços, o mais
novo nasceu com má formação nos pés e
demorou a andar. Por muitos anos, arrastou-se ao chão, enquanto pai e mãe
trabalhavam em construções, reformas e cuidados com jardins. A dedicação dele e
da esposa contribuíram significativamente para que o rapaz crescesse forte e
dono dos próprios passos, apesar da deficiência menos grave que ainda carrega.
Gosto muito da
companhia dele. Ultimamente nem o tenho visto, pois não tenho necessitado dos
serviços que ele oferece, e a vida tem dessas coisas. Nem sempre conseguimos
estar o tempo todo com as pessoas de que gostamos. Mas, sempre foi interessante conversar com
ele. Em uma dessas conversas, perguntei:
- Ô Tino, quando
você faz aniversário?
- Não sei ao
certo, não senhora – respondeu ele.
- Como não sabe?
Você faz tantas coisas, instala luz, postes e não sabe a data do seu
aniversário? – Brinquei - Aceita um café?
Tino aceitou um
café e parou um pouco, para me explicar aquela questão. Calmo, entre um gole e
uma tragada no cigarro que ele fumava, contou-me que a família dele era do
sítio, local distante do primeiro povoado. Eles não contavam com carro.
Transporte era lombo de burro. Cavalo de raça não aguentava aquele trabalho
todo.
O pai e a mãe,
raramente, iam à cidade. E assim, alimentados pela terra e pelas criações das
quais tomavam conta, levavam a vida. Nesse ritmo calmo e de pouco convívio
social, nasciam os filhos, ali mesmo, com apoio de parteiras locais. Quantas
crianças e mães morriam, na hora do parto, por falta de assistência adequada.
Mas, na família do Tino não. Todos vingaram fortes e, desde pequenos, ajudavam
pai e mãe nos serviços da roça, de acordo com a idade e com a possibilidade de
realizar as tarefas.
E foi assim que
muitos irmãos nasceram, no sítio, com auxílio de parteira. A mãe, no dia
seguinte, já estava na lida, em casa. As vizinhas preparavam a canja de
galinha, para a mãe. Algumas iam, na primeira semana, ajudar nos serviços de
casa. Naquela época, água era tirada do poço; o tanque era uma tina – quando
havia – em grande parte, as mulheres lavavam a roupa na mina, o banheiro era
uma casinha externa e o trabalho doméstico era duro.
Assim, os dias
se passavam, mãe ficava grávida novamente, outro filho nascia. Quando o clima
colaborava, a colheita era um pouco melhor e pai podia juntar um dinheirinho
para ir à cidade, comprar alguns suprimentos e, quem sabe, levar os filhos para
registrar, no cartório.
Aquele ano tinha
sido muito bom. O feijão rendera muito. O pai do Tino conseguira juntar um
dinheiro. Hoje, mulher, vamos levar os piás para a cidade, precisamos registrar
os meninos. Sairam antes de o galo cantar, estava escuro. Foram de carroça,
para acomodar melhor as crianças. No sacolejo da estrada de terra e esburacada,
os pais seguiam orgulhosos com o melhor produto da vida - aquelas crianças
todas, empoeiradas pela terra vermelha que, misturada ao suor dos pequenos,
transformava em vermelha as faces daqueles anjos.
Chegaram na Cidade,
apearam todos e foram primeiro ao cartório. Eram três crianças para registrar.
Quando chegou a vez do Laurentino, o cartorário perguntou:
- Nome da
criança?
- Laurentino de
Almeida – respondeu o pai.
- Data de
nascimento? Continuou o cartorário.
Foi nesse
momento que o pai do Tino precisou pensar um pouco mais. Fez algumas contas com
ajuda dos dedos. Franziu a testa e voltou-se para a mulher.
- Ôh mulher,
nasceu quando esse aqui?
Mãe responde:
- Ói, que me
recordo, ele nasceu na colheita do feijão.
- Isso foi em
agosto, não foi? Conferiu o pai.
- É, deve ter
sido. Completou a mãe.
O menino era
pequeno, estava por ali e tudo ouviu.
- Então, Sr.
escrivão, coloque 20 de agosto. Disse o pai.
O escrivão nem
relutou. Aquilo era prática por ali. E foi assim que Laurentino de Almeida
recebeu por data de aniversário, do dia da colheita do feijão.
E assim, o
feijão, esse alimento tão importante à mesa, marcou a vida de um brasileiro
forte, que se multiplica, no trabalho,
no cuidado da família, na orientação dos filhos. Assim também, Ocorre ao grão
de mostarda, que um homem tomou e plantou na sua horta, e que cresceu e fez-se
árvore; e as aves do céu pousaram nos seus ramos. (Lucas 13:18-19)