Conhecer as pessoas é o maior ganho
da existência. Algumas são criativas, outras inteligentes, outras inspiradoras.
A essa, a quem vou dedicar a narrativa, devo muito aprendizado. Foi uma grande
mestra para mim. Costumo dizer que tudo o que comunica modifica. O convívio com
essa pessoa a quem vou chamar, carinhosamente, de Marluce, proporcionou-me um
grande bem-estar, além das alegrias que pudemos compartilhar. Se não declaro o
nome verdadeiro, é apenas para proteger nossa amizade e nossa identidade.
“...Vou proteger seu nome, por amor,
em um codinome beija-flor...”. Embora a relação não seja igual, toda vez que
ouço essa música, identifico o respeito que se deve atribuir às pessoas de
nosso relacionamento. Em uma pesquisa sobre o que é mais importante na relação
entre as pessoas, o amor não foi o primeiro. Destacou-se, lá, o respeito. Por
esse motivo, se aguço a curiosidade, premio os leitores com o prazer dessa
história tão engraçada, mescla da realidade com a ficção.
Nosso trabalho de consultoras
permitia colecionar experiência, vida, conhecimento e muitas aventuras juntas.
Ela era engraçada, loira, estatura média, corpo escultural, sotaque carioca, de
um olhar brilhante e expressão de menina sapeca. Em tudo criava e aprontava.
As histórias dela eram entre o
engraçado e o tocante. A verdade é que ouvi-la, estar com ela era algo mágico.
Que felicidade poder encontrar pessoas assi. Algumas vezes, o humor variava e
ela se tornava uma pessoa nervosa, irritada. Acho que foi nessa distmia que nossas
vidas precisaram encontrar caminhos diferentes. Houve uma estrada reta. Em um
dado momento, deparamos-nos com uma bifurcação e cada uma seguiu o próprio
caminho.
Em um dos sábados, em que atendíamos
um cliente, para um curso, tínhamos também de ir ao casamento de uma grande
amiga. Seguramente, estaríamos lá, para prestigiar o grande evento. A vida
corrida não nos permite muito ensaio. Dessa forma, roupas no carro, logo pela
manhã. O combinado era terminarmos o curso e nos arrumarmos no espaço do hotel.
Depois, passaríamos em um shopping para comprar o presente. Pensamos em um belo
cristal para decoração da mesa da sala de jantar. Tudo combinado. Passei na
casa da minha amiga, logo cedo, para apanhá-la.
Ela veio ao meu encontro, com várias
sacolas. Afinal, a indecisão, no momento de escolher a roupa, fez com que ela
trouxesse logo o guarda-roupa. Uma mala era de maquiagem e acessórios; outra
para os sapatos e outra para as roupas. Ela vinha com toda aquela bagagem
enroscada e aos puxões. Sai do carro para ajudar e comentei:
- Nossa! Hoje vai ser o destaque,
mais bonita do que a noiva.
Ríamos. Nossa amizade permitia essas
cumplicidades. As falas eram subentendidas e tudo era entendido. O contexto era
claro para nós.
- Hoje, vou trabalhar com essa
sapatilha. Cansa estar o dia todo, em pé. E você sabe, né, sou desastrada, caio
à toa.
Esqueci-me de dizer que ela não se
equilibrava muito bem no salto. Dessa forma, precisava estar com sapatos
baixos. Um só degrau seria suficiente para derrubá-la. Os saltos altos tinham
ficado na mala, para, depois, irmos ao casamento. A ocasião requeria.
O trabalho foi intenso. No final do
expediente, rumamos em direção ao shopping. Ir a esses lugares, aos sábados, em
São Paulo, não é tarefa fácil. Para começar, a dificuldade de localizar uma
vaga, no estacionamento. Não queríamos gastar dinheiro com manobrista.
Procuramos um lugar e, logo, avistamos.
Sou ágil ao volante e enbiquei o
carro, para estacionar de ré. Distraídas, em nossas conversas, não percebi que
havia outro cidadão para ocupar o mesmo espaço. Lei da Física: dois corpos não
ocupam o mesmo espaço, ao mesmo tempo. Consegui estacionar primeiro, ao que o
cidadão soltou um sonoro “Filha da
p.....”, para nós.
Minha amiga, excelente professora em
Língua Portuguesa, ficou irritada e gritou para ele.
- Ô, cidadão, você não conhece a
minha mãe. Xingue em Português correto. É “Filho de p...”.
Nesses momentos, a minha amiga dava
aulas de português. A diferença entre utilizar um artigo definido ou não é
designar a pessoa e conhecê-la. Nesse caso “de+a”, significava mãe conhecida. O
indivíduo olhou com expressão maluca e desistiu de nós. Foi em busca de outra
vaga.
Esse era apenas o começo de um
momento ainda mais intrigante. Ao sair do carro, Marluce decidiu que já usaria
o salto alto. Alertei-a sobre a dificuldade, ao vencer escadas, rampas, enfim.
De nada adiantou, a vaidade falou mais alto. Abri o porta-malas e ela calçou o
sapato alto.
Seguimos para a loja. Tínhamos em
mente o que comprar, e a missão tournou-se mais fácil. Escolhemos o cristal,
pagamas e saímos da loja, em busca de um café, para, depois, seguirmos para o
casamento.
Sugeri que eu carregasse o pacote,
com o cristal; mas ela não me deixou. Fez questão de carregá-lo. E assim
seguimos, passos apressados, em direção à rampa de acesso aos estacionamentos
que ficavam no andar de baixo. Ela, apressadinha, caminhava e, lógico, exibia
um rebolado discreto; mas um pouco chamativo.
Foi em uma dessas trocas de passos
que ela torceu o pé e se desequilibrou. Tudo aconteceu em fração de segundos.
Mal pude segurar o cristal; mas não consegui retê-la pelo braço. Assisti
paralisada à tentativa dela de se segurar em algo, ao descer aquela rampa em
desalinho de passadas largas, com as mãos ao espaço, para tentar segurar em
algo.
Em dado momento, encontrou um homem
que caminhava à frente dela. Ele trajava calça de moleton e estava bem à
vontade, naquela tarde de sábado. O que ela pôde segurar foi a cintura da calça
dele. A peça de roupas não tinha muita firmeza e, com o solavanco que recebeu,
no momento em que minha amiga se apoiou nela, desceu e deixou à mostra, a parte
traseira do rapaz que, por conta do descuido, não vestia cuecas.
Um pouco distante eu via o rapaz e
ela baixarem juntos. Ele segurava a parte da frente das claças, para proteger-se
e dizia “moça, moça, moça...”. Ela afundava as unhas no traseiro dele, para
tentar equilibrar-se. Ao fim, estavam agachados ao chão e o shopping, parado,
para assistir àquele espetáculo sensacional.
Quando consegui ter domínio do que
havia ocorrido, segui em direção a ela. Minha amiga chorava, envergonhada com a
situação. O homem sumiu de nossas vistas. Pensei em socorrê-la, oferecer água,
acalmá-la. Convidei-a para o café.
Abracei-a e fomos. Ao aproximar-nos
do quiosque do café, para nossa surpresa, deparamos-nos com o rapaz das calças.
Antes mesmo de a minha amiga se desculpar, ele segurou fortemente o cós e saiu
de perto de nós. Nunca mais o vimos.
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