Lavrador,
nascido em Minas Gerais, Pouso Alegre, queria ter alguma oportunidade para a
família. Via amigos locais saírem da terra e rumarem para São Paulo. Quando
começou a prestar atenção ao fato, julgava esses imigrantes tolos. Afinal,
viviam em pobreza; mas tinham casa,
simples, já desgastada pelo tempo, com falhas no reboco, herdada dos pais.
Conseguiam frequentar festas locais, eram religiosos, tinham vida social. Todos
esses pensamentos fizeram com que ficasse por ali, por mais tempo do que o
necessário.
Concluiu apenas
o Ensino Fundamental. Formou-se na oitava série e sentia-se muito feliz por
isso. Afinal, continuar os estudos era inútil. Naquele local, havia emprego
somente na roça. Era cuidar da lavoura, do gado. Nessa toada de vida, casou-se,
teve dois filhos, um menino e uma menina.
A topografia de
Minas Gerais costuma não ser muito hospitaleira àqueles que vivem da lavoura.
Arar a terra é um desafio, por aqueles campos montanhosos e íngremes. Era preciso
vencer a batalha de preparar a terra, para, depois, plantar. O filho crescia
aventureiro e gostava dos tratores. Todos estimulavam as crianças, desde
pequenas, para tomarem gosto por aquelas atividades. Depois, estudar pouco,
comprar um terreno, construir uma casa, comprar alguns móveis. Será que a vida
é só isso? Nesse questionamento, Antonio Cassemiro permanecia, por alguns
instantes, enquanto descansava o rosto nas duas mãos apoiadas sobre o cabo da
enxada. Sentia o suor escorrer pelo rosto, as mãos endurecidas pela calosidade.
Naquela semana,
tinham muito a fazer. Era arar terra, preparar o solo. Eles precisavam plantar
feijão. O terreno devia estar revirado, para afofar a terra e, dessa forma,
receber a semente. Aquele grão tão precioso, nascido em vagens, alimentaria a
mesa de muitos brasileiros. O compadre Joaquim, dono de um trator, cuidava de
fazer esse serviço, para adiantar a plantação. Precisavam ganhar tempo. A chuva
logo viria e molharia aquele espaço, para tornar a produção mais vantajosa.
Na lida, entre
pensamentos e ronco de motor, permaneciam horas, desde a madrugada, bem antes
de o sol nascer. Levavam a marmita. Às 09h00, almoçavam. Em torno das 15h00,
voltavam para casa, hora de cuidar dos animais, da horta, recolher os ovos e o
gado, alimentar os porcos. Às 07h00 jantavam. A vida transcorria na rotina.
Demais, às sextas-feiras, encontravam-se na venda mais próxima. Um sanfoneiro e
um violeiro tocavam uma modinha. Os fazendeiros levavam algo para comer. Essa
era a festa deles.
A pausa para
descanso era respeitada por religiosidade. O Padre puxava a orelha dos fieis
que não compareciam à missa dominical. Só por essa razão, não aravam a terra
aos domingos. Aproveitavam esse tempo para vestir a melhor roupa, calçar
sapatos mais justos e ir ao comércio local para comprar alguns apetrechos
necessários à fazenda.
Na
segunda-feira, muito cedo, retomavam as atividades. Compadre Joaquim pensava em
ampliar a plantação. Ele havia escutado sobre o clima propício para aquela
produção, e algumas sacas a mais
ajudariam para a reforma do curral, tão necessário à propriedade. Para ganhar
musculatura, permitiu ao filho que contava dezesseis anos o trabalho no trator.
O menino ficou entusiasmado, sentia-se – verdadeiramente – homem, na posse
daquela máquina. O Compadre via com gosto o quanto o rapaz era ousado, rápido,
destemido. O menino enfrentava os morros e as pedras sem temor. A juventude
traz dessas onipotências. Ele sentia no olhar do pai e na aprovação dos amigos
da lida que estava bem no conceito de todos. Isso conferia a ele mais ânimo
para trabalhar, sem descanso.
Foi em uma
dessas viradas radicais, necessárias ao trator, que ele resvalou em uma pedra
maior e tombou a máquina. Todos ouviram assustados o barulho que parecia mais
uma explosão. Apressaram-se até o local em que ocorreu o acidente e
encontraram, perplexos, o filho do compadre esmagado, entre o trator tombado e
a pedra enorme com que colidira. Os amigos se apressaram em chamar o compadre
que desmaiou ao ver a cena. Nem todas as sacas de feijão a mais trariam a vida
do filho dele de volta. Não adiantava correr, tirá-lo dali às pressas. Tudo
estava consumado. A semana tornou-se feriado, nada mais se fez, naqueles dias
que se seguiram. Solidários, todos acompanharam a triste sina do amigo e da
esposa inconsoláveis. Era o filho único. Em uma semana, compadre e comadre
envelheceram mais de vinte anos. A vida havia perdido o viço.
Quando se demora
em decidir um rumo, a vida pode apresentar cenas que provocam reflexões mais
intensas. Foi por causa dessa perda sofrida pelo compadre que Antonio Cassemiro
decidiu, de vez, sair daquele local. Queria outro destino para os filhos.
Decidiu manter a casa da cidade, vendeu o pequeno sítio e conseguiu comprar uma
pequena casa, em bairro simples e perigoso de São Paulo.
Ao mudar-se para
a Capital, conseguiu emprego de porteiro, em um edifício de Higienópolis. Se
trator esmagava filhos e deixava pais solitários, o transporte público de São
Paulo não fazia por menos. Ele acordava às 04h00 para conseguir chegar ao
trabalho por volta das 06h30. Para retornar a casa dele, lá se iam quase três
horas a mais. Nesse ritmo de revezamento, com sete dias de trabalho por um de
descanso, quase nunca estava em casa aos domingos. A missa já não era mais a
rotina da família completa. A esposa dedicada permanecia na luta para conduzir
os filhos no caminho do bem. São Paulo era grande e todas as dificuldades
também apresentavam a mesma proporção. O bairro de Higienópolis era rico e
contava com segurança, ruas asfaltadas, boas escolas, povo bonito, bem vestido,
boas lojas. Em cenário totalmente contrário, estava o bairro do Penteado,
pobre, com muitas favelas, jovens usuários de drogas por todos os lados, muitas
brigas de rua nas escolas, professores amedrontados.
O homem que conhece
algo melhor consegue traçar comparações. Durante a viagem para casa e ao
verificar a discrepância de cenário, era fácil
para Antonio decidir o que queria para os filhos. Começou a perguntar
valores de propriedades por ali. Não precisa ser algo grande, nem caro. Poderia
ser apenas cômodo com banheiro. Qualquer
lugar, em Higienópolis, seria muito melhor para a família. Foi com tristeza que
pode observar a impossibilidade de vender a casinha comprada na periferia e,
com o mesmo valor, adquirir um cômodo no bairro nobre. Definitivamente, isso
não seria possível. Ficou entristecido
por dois dias. Acontece que a tristeza vai embora, no momento em que o homem
toma decisões. Sair da periferia, com a família era decidido. Conversou com
muitos colegas e descobriu que poderia se candidatar à vaga de zelador do
prédio vizinho. O Síndico o conhecia e gostava da disciplina que ele mantinha
na portaria. Tomou coragem, mal sabia escrever, mas era homem disposto. Se
preciso, conserto, troco, remendo, faço o que o senhor quiser. Ficou um pouco
preocupado quando o síndico perguntou se ele tinha filhos. Dois; mas são bons
meninos, obedientes, e a mulher cuida deles sim, senhor.
Aquela fala
sincera provocou credulidade no síndico. O emprego é seu Antonio, espero que
saiba das obrigações do zelador: aqui é preciso trabalhar todos dos dias, você
não pode se ausentar aos feriados e finais de semana; os clientes são os
moradores, eles precisam estar felizes com seu atendimento, combinado?
Antonio nem
pensou duas vezes. A possibilidade de trazer os filhos para um lugar melhor e
de passar mais tempo com eles era tudo o que queria. Colocaria olhos firmes no
menino levado que tinha, mantê-los-ia no bem. A esposa era compreensiva, quando
quisesse viajar para ver os familiares, poderia ir; ele ficaria para cuidar do
prédio. Quando um homem se torna pai, a prioridade dele é o bem-estar dos
filhos. Isso Antonio fazia bem. Ele e a esposa em tudo concordavam e, assim
fizeram: eles se mudaram para aquele apartamento. Os benefícios eram importantes.
Não pagava aluguel, água, luz. Dessa forma, conseguia fazer uma poupança e
melhorar a propriedade de Pouso Alegre.
Antonio
trabalhava duro, todos os dias, sem horários definido. O filho o acompanhava em
muitas tarefas. Era um menino vivo, esperto, decidido. Via o pai com o sorriso
estampado e imitava-o. Se pai é tão querido por atender tão bem às pessoas, vou
fazer igual, quero ser igual ao meu pai, quando crescer. A vida imita a arte e
os filhos imitam os pais. Assim cresceu e tornou-se um belo homem, sorridente,
a serviço do próximo, sempre com soluções.
Com o tempo,
estudou em escolas públicas, mas bem localizadas; iniciou o trabalho em uma
companhia de seguros e, por mostrar-se sempre bem disposto, foi reconhecido e
promovido. Edificou uma família muito bonita. A esposa, sempre ao lado dele,
contribuiu para que o enfoque principal não se perdesse de vista. Líder sabe,
desde sempre, o que quer e faz por merecer.
Conheci esse
homem em uma das oportunidades de trabalho que a vida me oferece. Tratava-se do
desenvolvimento da comunicação para líderes. Ele é Diretor Comercial de uma
empresa mundial e é líder para muitos profissionais, dedicado a motivar, a
acompanhar. Seguramente, destacou-se na jornada que se propôs a percorrer.
Pessoa muito competitiva, entusiasmada, sorridente. Claro que havia alguns
momentos para ajustarmos. Encontrei nele muita força, muita alegria em fazer as
tarefas propostas e disciplina de sobra, para melhorar em tudo o que pudesse
fazer, e assim fez. A pessoa que se move
a melhorar ultrapassa barreiras, torna-se imbatível.
Fiquei
emocionada pela trajetória da vida dele e pude ver fotos do pai, da esposa, dos
filhos, do neto – verdadeira linha do tempo e de uma vida. Hoje, ele é muito
jovem, elegante e já avô. Uma oportunidade para essa criança que vai crescer no
exemplo de um terreno fértil.
Em minha jornada
de professora e de consultora aprendi que ensinamos pouco às pessoas. Entendi
que o aprendizado acontece na possibilidade e na necessidade de cada pessoa.
Percebi que o bom modelo ajuda a construir uma vida muito melhor, por
significar a trilha a seguir.
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